Mas eu sou mesmo um clichê. Um daqueles bem água com açúcar, sabe? Um melodrama de quinta. Uma comédia romântica, que você não se cansa de ver num domingo a tarde. - Querido John

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

The One That Got Away



Assim que o salto fino cravou no chão, saiu do carro sentindo uma corrente de uma típica brisa londrina passar por seu corpo. Agarrou-se ao sobretudo com mais força e trancou o carro. Ergueu os olhos para o velho prédio que estava as ruínas, sorrindo automaticamente ao lembrar de quando sua vida era perfeita ali e não sabia. Com um suspiro, deu vários passos até chegar aos três degraus principais.
As paredes desbotadas de tinta, o corrimão enferrujado e o mesmo cheiro de café ainda predominavam nos corredores e se pegou sentindo saudades de todas as vezes que subiu e desceu aquelas escadas, ouvindo os vizinhos brigando e cachorros latindo.
Caçou o molho de chaves dentro do bolso do casaco e assim que a maçaneta girou, sentiu o peito despencando. O apartamento estava vazio. Isso era óbvio. E já esperava que estivesse. Ficaria mais surpresa se encontrasse ele habitável do que qualquer outra coisa.
Fechou a porta atrás de si e permitiu caminhar até a sacada que tinha uma das vistas mais brilhantes. À direita, dava para ver certinho a London Eye que tanto fez sua felicidade nos dias em que se sentia só. Agora isso já fazia parte da sua rotina. Digo, sentir-se só.  
Deu mais uma olhada em tudo e logo sentiu um suspiro sufocar-lhe a garganta. Caminhou pelo apartamento que sempre fora bem iluminado enquanto ouvia a madeira no solo ranger.
Riu sozinha.
Lembrou-se do dia de seu aniversario e que ele tentou-lhe fazer uma surpresa pela manhã, mas o barulho do assoalho era tanto, que ela acabou acordando e estragando a surpresa.
O riso se perdeu entre as paredes.
Sentiu o coração apertar quando deparou-se com a porta de vime em que haviam pintado juntos. Empurrou com o joelho e encostou-se nela, passando os olhos lentamente pelo quarto.
Reviveu cada móvel localizado em cada lugar e pode jurar que viu suas meias prediletas perdidas embaixo da cômoda dos livros enquanto a toalha molhada dele estava jogada em cima da cama. Analisou em sua mente a cadeira perto do armário cheia de roupas em cima e o cantinho da cama que tanto arrancou-lhe a pele de seu mindinho. Permitiu-se sorrir por um instante enquanto fechava os olhos.
Respirou fundo e jurou sentir o perfume dele misturado com loção pós barba. Barba que ele insistia em dizer que tinha por sinal, mas jurou nunca ter visto nenhum pelo em seu rosto. Ouviu ao longe um xingamento, típico de quando ele derrubava alguma panela quando tentava se aventurar na cozinha.
Sentiu os olhos umedecerem apesar de estar fechados. Trincou os dentes, odiando-se por um segundo. Abriu os olhos e voltou à realidade. Havia acabado. Tudo na vida tem um final, não é?
Sentiu a raiva subindo e ignorou todos os pensamentos fúteis que ainda a prendiam ai e deu meia volta, retornando a sala vazia. Mas qual era o seu problema? Porque simplesmente não podia aceitar que agora sua vida era sozinha e que ele havia achado alguém que o fazia feliz?
Sempre teve certa relutância com términos, mas esse tinha sido o mais doloroso. Talvez por todas as lembranças. Pela felicidade proporcionada. Pelas risadas. Pelas brigas. Pelo apartamento que dividiram. Pelo mundo que construíram juntos.
Olhou para os lados e percebeu que finalmente estava perto da saída, mas seu coração deu mais um salto quando jurou ver perto da janela, nada mais do que .. letras.
Andou até o local e reconheceu a caligrafia.
De tinta de caneta preta contra a madeira branca do parapeito da janela da cozinha, conseguiu ler: Eu sinto sua falta.
Suspirou e tentou pensar que isso havia sido escrito por ela mesma enquanto ele viajava com a banda e ela sentia-se sozinha no apartamento. Tentou criar uma cena dela mesma escrevendo isso. Não queria admitir a verdade.
Não queria admitir que ele havia escrito aquilo. E pior ainda: que era recente.
Sentia uma falta imensurável de todo o passado, mas certas coisas terminam para que melhores comecem. Não que ela havia encontrado algo ou alguém melhor depois do termino, mas ele havia. E ela tinha de respeitar sua escolha. Mas como, se nem ele mesmo respeitava?
Permitiu-se chorar pela ultima vez ali, no lugar onde havia sido seu mundo por tantos anos. Permitiu-se sentir o abraço frio de tantas lembranças, para que finalmente quando erguesse o chão do piso frio da cozinha, enxugasse os olhos e não voltasse mais para lá.
Por mais que sua vontade fosse permanecer para sempre.



Em outra vida, eu seria sua garota nós manteríamos todas as nossas promessas, seríamos nós contra o mundo. Em outra vida, eu faria você ficar então eu não teria que dizer que você foi aquele que foi embora.




Autora: Brenda Vizzotto



Um comentário: